Trata o presente parecer da análise jurídica da Ação de Execução de Título Extrajudicial movida por Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda. em face de Cícero Vieira da Silva Neto, com o objetivo de identificar as fragilidades do título executivo, as teses de defesa aplicáveis e delinear uma estratégia processual completa e eficaz para a proteção dos interesses do executado.
Parecer Jurídico
Execução de Título Extrajudicial – Cícero Vieira da Silva Neto
Vara Cível de Faxinal/PR
Exequente: Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda.
Valor da Causa: R$ 1.057.904,00
1. Introdução
Contextualização2. Sumário Executivo
Análise CríticaA execução se baseia na Cédula de Produto Rural com Liquidação Financeira (CPR-F) nº 004196, originalmente emitida em favor da Agrolend S.A. e posteriormente paga pela Rainbow, na condição de avalista, que agora se sub-roga nos direitos de credora. O valor da causa é de R$ 1.057.904,00.
A análise dos documentos e do relato do cliente revela vícios graves que comprometem a validade e a exigibilidade do título, notadamente:
- Simulação e Ausência de Causa (Causa Debendi): A operação de financiamento aparenta ser simulada. Os recursos não foram entregues ao emitente, Cícero, mas sim diretamente à própria avalista (Rainbow), caracterizando um negócio jurídico sem lastro real e configurando enriquecimento ilícito.
- Excesso de Execução: O cálculo apresentado pela exequente inclui a cobrança duplicada de juros e multa (bis in idem), além de aplicar índice de correção monetária não previsto contratualmente.
- Conexão com Fraudes Anteriores: O modus operandi da operação é similar a outros golpes aplicados por terceiros (Sidinei Soares de Souza) contra o cliente, sugerindo um possível conluio entre os envolvidos.
Oposição de Embargos à Execução, com pedido de efeito suspensivo, focando na tese principal de nulidade absoluta do título por simulação e ausência de causa, apoiada por robusta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
3. Tabela de Precedentes Específicos
Jurisprudência STJ| Tese Jurídica | Precedente Relevante (STJ) | Aplicação ao Caso |
|---|---|---|
| Legitimidade para Alegar Simulação | REsp 1.501.640 | Cícero pode alegar a simulação em sua defesa, mesmo tendo assinado o título, superando a antiga regra da "própria torpeza". |
| Desnecessidade de Ação Própria | REsp 1.582.388 | A nulidade por simulação pode ser arguida e reconhecida diretamente nos Embargos à Execução, sem necessidade de ação anulatória autônoma. |
| Imprescritibilidade da Nulidade | AgInt no REsp 1.388.527 | A nulidade absoluta do negócio simulado não se submete a prazos de prescrição ou decadência, podendo ser alegada a qualquer tempo. |
| Discussão da Causa Debendi | Súmula 297/STJ (por analogia) | Embora títulos de crédito sejam em regra abstratos, a ausência de circulação permite a discussão da relação subjacente, provando que a dívida não existe. |
4. Análise Detalhada da Operação e dos Vícios
Fundamentação4.1. A Estrutura Triangular e a Ausência de Causa
A CPR-F revela uma arquitetura contratual atípica e suspeita. Conforme a cláusula 2.2 do título, o valor do desembolso (R$ 843.000,00) não foi entregue a Cícero, o emitente. Em vez disso, seguiu um fluxo circular:
- Agrolend (Credora) transferiu os recursos para a Grão de Ouro Agronegócios Ltda. (fornecedora e também avalista).
- A Grão de Ouro, por sua vez, foi autorizada a depositar os mesmos recursos para a Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda. (a outra avalista e, agora, exequente).
Isso significa que o dinheiro saiu da credora original e, ao final, chegou na própria avalista que agora cobra a dívida, sem que o devedor (Cícero) tenha recebido os insumos agrícolas que, em tese, o financiamento se destinava a custear. Esta operação, portanto, carece de causa debendi, o elemento fundamental que justifica a existência da dívida. Sem a entrega dos produtos, o negócio é desprovido de objeto, configurando enriquecimento ilícito da Rainbow (art. 884 do Código Civil) e a nulidade do título.
4.2. Simulação: A Nulidade Absoluta do Negócio Jurídico
O cenário descrito se enquadra perfeitamente na definição de negócio jurídico simulado, previsto no art. 167 do Código Civil. A CPR-F foi utilizada como uma fachada para criar uma obrigação financeira artificial, sem a correspondente contraprestação (entrega de insumos). A declaração de vontade de Cícero foi, segundo seu relato, viciada e inserida em um contexto de fraude.
- Pode ser alegada pelo próprio participante: Cícero tem o direito de arguir a simulação em sua defesa.
- Pode ser reconhecida nos próprios autos da execução: A tese pode ser o pilar central dos Embargos à Execução.
- É imprescritível: Não há prazo para que a nulidade seja declarada.
4.3. Excesso de Execução: Cobrança em Duplicidade
Mesmo que se ignorasse a nulidade do título, o valor cobrado é manifestamente excessivo. A Rainbow pagou à Agrolend o montante de R$ 992.418,77, que já continha os encargos moratórios (multa e juros) pelo atraso de dois meses sobre o valor nominal de R$ 968.223,30.
No entanto, em sua planilha de execução, a Rainbow aplica novamente uma multa de 5% (R$ 50.376,38) e juros de 1% ao mês, além de uma correção monetária pelo IGP-M não prevista na CPR-F. Trata-se de um claro bis in idem, vedado pelo ordenamento jurídico.
| Descrição do Erro | Fundamento Legal |
|---|---|
| Duplicidade de Multa e Juros | Princípio do non bis in idem; Enriquecimento sem causa (Art. 884, CC) |
| Correção Monetária Indevida | Inexistência de previsão contratual (violação do pacta sunt servanda) |
O valor correto da execução, se o título fosse válido, não poderia ultrapassar o montante efetivamente pago na sub-rogação, corrigido por índice legal (e não contratual inexistente) a partir do desembolso pela avalista.
4.4. Conexão com o Caso Sidinei Soares de Souza
A narrativa do cliente de que a operação foi conduzida de forma fraudulenta, envolvendo subfaturamento e entrega de produtos a terceiros (Sidinei), é corroborada pelo histórico de litígios do cliente, que já enfrenta uma execução da Coamo e move ações (anulatória e criminal) por fatos semelhantes. A presente execução parece ser mais um capítulo do mesmo esquema fraudulento, o que reforça a tese de dolo e simulação e pode ser usado como elemento de convicção para o juízo.
5. Estratégia Processual Recomendada
Plano de Ação📌 Oposição de Embargos à Execução:
- Tese Principal: Nulidade absoluta do título executivo por simulação (art. 167, CC) e ausência de causa debendi (art. 884, CC), com base na não entrega dos insumos e no fluxo financeiro circular.
- Tese Subsidiária 1: Excesso de execução, demonstrando por meio de planilha de cálculo a cobrança indevida de multa, juros em duplicidade e correção monetária sem previsão.
- Tese Subsidiária 2: Inexigibilidade por vício na sub-rogação, argumentando que a nulidade da obrigação principal contamina o ato acessório.
🛡️ Requerimento de Efeito Suspensivo (Art. 919, §1º, CPC):
Solicitar a suspensão da execução, argumentando a alta probabilidade de provimento dos embargos e o risco de dano grave e de difícil reparação (penhora de bens).
🔍 Pedido de Produção de Provas:
- Documental: Intimação da Rainbow e da Grão de Ouro para apresentarem as notas fiscais dos insumos e os respectivos canhotos de entrega assinados.
- Perícia Contábil: Para auditar a operação financeira e demonstrar o fluxo circular dos recursos e o excesso de execução.
- Depoimento Pessoal: Do representante legal da Rainbow para esclarecer a operação.
- Ação Anulatória Autônoma (se estratégico): Avaliar, em conjunto com os embargos, o ajuizamento de uma ação declaratória de nulidade do negócio jurídico, o que pode permitir uma instrução probatória mais ampla.
- Denunciação da Lide ou Ação de Regresso: Investigar a participação de Sidinei Soares de Souza e da Grão de Ouro no esquema para, se for o caso, trazê-los ao processo ou mover ação de regresso autônoma.
- Ampliação da Notícia-Crime: Comunicar os fatos deste processo às autoridades policiais que investigam o caso Sidinei, para apurar a possível ocorrência de estelionato e formação de quadrilha.
6. Análise de Riscos e Oportunidades
Avaliação| Categoria | Análise |
|---|---|
| ⚠️ RISCOS |
1. Rejeição dos Embargos: Embora a tese seja forte, depende de prova. Mitigação: Produção probatória robusta desde o início. 2. Penhora de Bens: Risco iminente. Mitigação: Pedido de efeito suspensivo e, se negado, oferta de caução idônea. 3. Dificuldade Probatória: A exequente pode se recusar a apresentar documentos. Mitigação: Pedido de ordem judicial com fixação de multa por descumprimento. |
| ✅ OPORTUNIDADES |
1. Extinção da Execução: A comprovação da simulação leva à nulidade total da dívida. 2. Redução Substancial do Débito: A tese de excesso de execução, por si só, já pode reduzir drasticamente o valor cobrado. 3. Responsabilização de Terceiros: A estratégia pode levar à responsabilização cível e criminal dos verdadeiros arquitetos da fraude. |
7. Conclusão e Diretriz Jurídica
Orientação FinalO caso em análise apresenta excepcionais fundamentos para uma defesa exitosa. A execução está amparada em um título que, tudo indica, é fruto de uma operação simulada, desprovida de causa real, cujo único objetivo foi criar uma dívida artificial em nome do Sr. Cícero Vieira da Silva Neto.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é um forte alicerce para a tese de nulidade absoluta, que deve ser o foco principal dos Embargos à Execução. A tese de excesso de cobrança, igualmente robusta, serve como uma segunda linha de defesa de grande potencial.
Recomenda-se, portanto, a adoção de uma postura combativa, com a imediata oposição dos Embargos à Execução, buscando o reconhecimento da nulidade integral do débito e, subsidiariamente, a exclusão de todos os encargos indevidos. A articulação com as demais ações em curso (caso Sidinei) será fundamental para expor o panorama de fraude e fortalecer a posição do executado perante o Judiciário.
Oposição imediata de Embargos à Execução com as teses de nulidade absoluta (principal) e excesso de execução (subsidiária), com produção probatória robusta e articulação com as investigações criminais em curso.
Londrina, 24 de outubro de 2025.
Wilson Alexandre
OAB/PR 57.919
Especialista em Direito Tributário pelo IBET